terça-feira, 8 de julho de 2008

O MONTE E O VALE


O MONTE E O VALE
MATEUS 17.1-21


O MONTE E O VALE
Mateus 17.1-21

Mateus 17.1-21 é daqueles textos bíblicos repletos de ensinamentos e que nos oferece a chance de analisá-los por diversos ângulos. Nesta nova série, vamos analisá-lo pela ótica da espiritualidade.

Espiritualidade será o nosso assunto por alguns domingos. A leitura que vamos fazer da espiritualidade, no entanto, estará em permanente contraste com o que vamos chamar de pseudo-espiritualidade. Sim, porque se existe uma espiritualidade verdadeira, também existe uma falsa espiritualidade.

A IMPORTÂNCIA DO TEMA

Em nossos dias existe uma busca frenética por espiritualidade. A coisa é tão séria que depois do “racionalismo”, de Descartes, e da “inteligência emocional”, de Daniel Goleman, o tema recorrente nos dias atuais é “inteligência espiritual”.

No Brasil, tem crescido o número de empresas que contratam de teólogos a mães de santo, para discorrerem sobre o tema. Esse, no entanto, é o problema. Pois o que muitos estão chamando de “espiritualidade”, não passa de misticismo oco, desprovido de sentido e coerência.

Nesta série sobre espiritualidade e, especialmente, nesta nossa primeira conversa sobre o assunto, vamos tentar situar a espiritualidade “entre o monte e o vale”, conforme Mateus 17.1-21.

Veremos que a espiritualidade que apenas se sustenta na experiência do monte tende a ser efêmera, transitória, passageira. Por outro lado, a espiritualidade que nega a experiência da verdadeira transcendência, do encontro real com Deus, tende a se tornar uma pseudo-espiritualidade. Pois não há ninguém, nem prática religiosa alguma que possa produzir experiências consistentes se Deus mesmo não estiver inserido nelas.

Da verdadeira espiritualidade nasce a trans-formação. Da falsa espiritualidade nasce a deformação, muito bem traduzida pelo misticismo moderno.

O CONVITE PARA O MONTE

Seis dias depois de ter tido uma conversa de impacto teológico profundo
com os seus discípulos, Jesus convidou três deles (Pedro, Tiago e João) para subirem o monte.

O monte é local de solidão, mas também é local de aproximação de Deus. No monte, Moisés e Elias receberam a revelação de Deus (Ex 19.3,20; 34.4; 1Rs 19.8); O mais importante sermão que a humanidade já ouviu, recebeu o nome de “sermão do monte”; inúmeras vezes Jesus subiu o monte para orar. Contudo, mais do que um lugar geográfico, o monte é uma experiência de transcendência, de encontro com Deus.

Os discípulos de Jesus não sabiam, mas estavam prestes a testemunhar um dos mais extraordinários eventos da história do povo de Deus. O encontro de Jesus com Moisés e Elias, no monte da transfiguração.

Por razões que só a eternidade revelará, Moisés e Elias apareceram para conversar com Jesus. A explicação desse fato é simples: Deus estava dizendo que em Jesus estava se cumprindo toda a lei (representada por Moisés) e os profetas (representados por Elias). Testemunhando tudo aquilo, estavam Pedro, Tiago, João.

Pedro, maravilhado e impetuoso como ele só, quis logo construir três tendas: para Jesus, Moisés e Elias. Mas Jesus não tarda em situá-lo e em situar a espiritualidade. Depois de cumprido o tempo com Moisés e Elias, Jesus chama os discípulos para descerem o monte. A experiência do monte fora válida, mas não permaneceria válida se não pudesse defrontar a realidade.

POR QUE JESUS NÃO QUIS FICAR NO MONTE?

Acredito que Jesus não aceitou a proposta de Pedro por que não queria que a espiritualidade dos discípulos se baseasse naquilo que o Ed René Kivitz chamou de “conforto produzido por uma fé mágica”, ou, no que o Leonardo Boff chamou de “pseudotranscendência” ou “falsa espiritualidade”. Por isso Jesus os chamou para descer o monte e revisitar o vale. Pois toda espiritualidade que não consegue fazer um link entre o sobrenatural e o natural, o transcendente e o imanente, o sagrado e o humano não passa de falsa espiritualidade.

APLICAÇÃO

Estou de acordo com o Ed René Kivitz, sobretudo quando declara que “a espiritualidade contemporânea reserva muitos lugares para crédulos que acreditam no conforto produzido por uma fé mágica. É fita do Bonfim e despacho, dízimos e correntes de fé, benzimentos e passes, jejuns e vigílias, novenas e procissões para tudo que é lado”.

Por que esse tipo de espiritualidade é falso? Porque “está centrado no indivíduo e seu desconforto, e tudo quanto espera lograr do contato com a divindade, qualquer que seja ela” (Kivitz, 2003).

A falsa espiritualidade, essa que superenfatiza o monte e ignora o vale com suas mazelas e contradições, traz em si sérios riscos à sanidade do indivíduo.

Para o Leonardo Boff, a falsa espiritualidade pode ser comparada à experiência das drogas. “O problema da droga”, diz Boff, “não é a viagem, é a volta da viagem, quando então não se suporta mais o cotidiano”.

Infelizmente é assim que têm funcionado muitos cultos religiosos, como drogas injetadas na alma e na mente das pessoas. As pessoas chegam a entrar em êxtase, não se contém ante a possibilidade de estar face a face com Deus... por isso choram, gritam, fazem coro... pedem a Deus para aquele momento nunca acabar... querem ficar “na presença de Deus”.

No entanto, o culto precisar chegar ao final e essas pessoas precisam voltar para a realidade, precisam voltar ao vale. Descer o monte. Nesse caminho de volta, muitos não sabem o que fazer. Alguns até chegam a brigar com Deus: “Como o Senhor foi capaz de permitir que isso acontecesse comigo? Eu não estava agora a pouco em tua presença?”.
O problema é a volta!

PARA SABER SE A EXPERIÊNCIA ESPIRITUAL FOI BOA...

“... basta verificar o efeito que traz sobre o indivíduo: ela potencializa o ser humano ou o diminui? Em que medida essa experiência capacita o ser humano e o qualifica a enfrentar o cotidiano? (...) Uma espiritualidade que funciona como válvula de escape, manipulação mágica da realidade e desculpa para a transferência de responsabilidade não pode ser considerada caminho para a felicidade, apenas rota de fuga e de alienação, que resulta em escravidão” (Kivitz, 2003, p. 31).

PERGUNTAS DE APLICAÇÃO

1. Que tipo de experiência espiritual a sua igreja tem proporcionado a você?
2. Sempre que você vem/vai ao culto o que você espera que aconteça?
3. Ao término do culto como fica a sua relação com o mundo real?

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